quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Sem títulos

Hoje abdiquei da razão e da emoção.
Sou apenas um brinquedo nas mãos da natureza.
Não sou dionisíaco, apolíneo, cristão, humanista, relativista ou existencialista.
Sou apenas mais um na lista.
Aquele que nunca pensou e sempre sentiu.
Aquele que sempre pensou e nunca existiu. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O breve e o profundo




Ao acessarmos um portal de noticiais na internet notamos que, diferentemente dos jornais tradicionais, o que se apresenta é uma coleção de manchetes. Não existe texto que ultrapasse o tamanho médio de um post do twitter, 144 caracteres. Caso optemos por acessar uma das notícias, em muitos casos, somos direcionados a meros parágrafos sem informação alguma complementar. Tal comunicação telegráfica incomoda, especialmente, a pequena parte de leitores mais eruditos, os quais pedem por mais profundidade e fôlego nos textos jornalísticos. O veredicto é de que estamos nos tornando uma sociedade de analfabetos funcionais que optou por ignorar a leitura.

Contudo, alguns dados chamam a atenção. O mercado literário brasileiro nunca foi tão grande. Apesar de estarmos bem atrás de países como Argentina e Chile, possuímos cada vez menos analfabetos e os lucros das grandes livrarias são cada vez maiores. Basta caminhar pelos ônibus e metrôs das grandes cidades para perceber o quanto aumentou o número de leitores.

Outro fato que devemos observar é a quantidade de horas que uma pessoa passa lendo. Antes da internet, apenas algumas horas do dia eram dedicadas à leitura de jornais, revistas ou livros. Um trabalhador de escritório passa oito horas em frente a um computador, lendo quase o tempo todo. Dessa forma, nunca se leu tanto. A questão importante neste contexto não é o quanto estamos lendo, mas o que estamos lendo.

Nos círculos sociais, nas seleções para concursos públicos e empregos e durante as emissões midiáticas, os indivíduos são cobrados constantemente por informação. Devem possuir ao menos um mínimo de conhecimento sobre diversos assuntos, caso queiram se localizar minimamente nas conversas e testes aplicados. Como não é possível saber detalhadamente sobre tudo, a escrita telegráfica, nesse contexto, se torna fundamental. Ela fornece o embasamento mínimo para que seja possível caminhar pela via congestionada da cibercultura.

Porém, os eruditos estão corretos quando reclamam por mais profundidade. Quando queremos entender mais detalhadamente os aspectos de uma situação, faltam reflexões mais elaboradas e pontos de vista mais diversificados. Entretanto, o problema não é o tamanho das chamadas e links, essências em nosso contexto, mas a falta de fontes de informação mais sérias, alternativas a essas formas mais concisas.

Estamos lendo muito mais, mas ainda continuamos a fazer parte de uma sociedade que não tornou a educação uma prioridade, da mesma forma que fazia antes do surgimento na internet. Não foi a tecnologia que tornou-nos superficiais, o sistema educacional e econômico nos deixou assim. As escritas telegráficas apenas respondem a tais anseios.

Caso queiramos a divulgação de reflexões mais consistentes na internet, precisamos focar na construção de cidadãos críticos e bem formados. Dessa forma, aumentaremos cada vez mais o público para esse tipo de texto e, consequentemente, sua quantidade. O verdadeiro desafio é concentrar o interesse de nossos vorazes leitores em leituras de mais fôlego que consigam conviver harmoniosamente com as escritas telegráficas. O foco da crítica deve ser, portanto, quem lê, não o material lido. 

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Tratado desinteressado sobre o ânimo


Faltou energia.
Minguaram as gotas de serotonina.
Todas as portas abertas em todos os corredores desbravados possuem espelhos que assustam, não oferecem respostas.
Acabou instantaneamente o sentido que fora construído de forma vagarosa.
A dura crueldade do quotidiano corrói as ingênuas formas de esperança que foram arquitetadas pela mente prepotente do homem.
Ganha significado a palavra pessimismo e seu antônimo é impronunciável, ofende os ouvidos.
As palavras amorais do filósofo-poeta ganham algum significado e o chão forrado de niilismo vai se abrindo, nada resta.
Emerge a figura do homem deste tempo com imagem tratada em computador. O ideal se materializa através do virtual.
Quanta falta de liberdade tem o ser com livre-arbítrio. Ou se alista e vira soldado do consumo ou se arrasta pelo escuro manifestar underground.
A vontade é apenas aquela de escapar do seu eixo e de fingir que não nasceu. Fadas embriagadas e chapadas cheiram a última carreirinha de vidro moído misturada com felicidade.
Mas espere, o instinto não vacila. A dor parece ser companheira ancestral e o amanhã a mais alucinante das drogas já criadas pelo moderno.
O ritmo cíclico dos eventos também apazigua o bicho, deixa-o tonto com a ideia de destino.
Gotas virais de energia restam e se multiplicam com lenta insistência.
O talvez é a maior manifestação do caos na vida e sua fonte infinita de energia.
Amanhã, outra vez, depois, quem sabe.
A covardia tomou conta do homem-máquina, agora ele lê o horóscopo e acredita em um futuro melhor. 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

BBB - Bichas, bofes e bonecas.

Não tenho acompanhado as últimas edições do reality show Big Brother. O formato do programa já não desperta nenhum tipo de reflexão nova ou, nem mesmo, risadas despretensiosas. Já faz tempo que percebemos a vontade do ser humano de olhar e ser olhado e, se possível, de poder julgar e sentenciar posturas e opiniões alheias. Quando analisamos o comportamento da população GLBT, não é nada diferente.

De forma cada vez mais evidente, a sociedade brasileira aceita a expressão de pensamentos, idéias e identidades diferentes relativas à sexualidade em suas ruas, bares e outros ambientes de socialização. Os gays sentem-se mais a vontade para olhar pessoas que não se parecem como eles e serem olhados. Dentro desse grupo, quem olha e é olhado costuma-se agrupar em pequenos grupos.

Encontramos as bichas, com suas calças apertadas, cabelos arrumados, alargadores e língua afiada. Os bofes e seus músculos, roupas de grife e acessórios caros. As bonecas e a exacerbação dos traços que tradicionalmente atribuímos ao feminino. Ele tem usado e abusado da estereotipização, se colocando em uma situação mais cômoda em meio a um ambiente onde todos estão prontos para julgar e serem julgados.

Tais arquétipos urbanos ligados à sexualidade servem, portanto, como ambientes de proteção em meio a uma sociedade que não está ainda totalmente preparada para o diferente. Nos sentimos desconfortáveis quando não conseguimos colocar as pessoas em uma categoria familiar, quando não podemos pretensiosamente prever suas posturas e valores. O próprio Big Brother transforma constantemente seus participantes em tipos, como, o cowboy, a piriguete ou a nerd.

Notadamente, o ambiente é muito mais tolerante do que aquele encontrado no final do século XX. Porém, podemos ir muito mais além, criando relações sociais onde as individualidades sejam realmente respeitadas e não exista intolerância e discriminação de qualquer tipo. Dessa forma, teremos uma sociedade realmente igualitária quando conseguirmos olhar e sermos olhados sem a proteção de símbolos fáceis e imediatos de identificação ou, mesmo, sem a proteção de uma tela de TV. 

Não pretendo, de forma alguma, propor a criação de redes de significação que ultrapassem inteiramente o grupo. Somos seres sociais e criamos nossos valores e símbolos trocando com outras pessoas. Apenas quero reforçar a escassez de modelos e sua repetitividade. Ainda operamos que poucas categorias de identificação, por insegurança e repressão. Uma sociedade realmente inclusiva, pode abranger milhões de manifestações e formas de domesticação de corpo, não limitando-se a pequenos grupos, previsíveis e, no caso da sexualidade, que repetem à exaustão conceitos como feminino e masculino, bicha e bofe e piriguete e pegador.