"Não vamos rir da vaidade. Ela se vai, com a idade. Caso tenhamos sorte, antes da morte."
"Aquele que morreu no dia em que eu nasci, já sabia o que eu ainda não aprendi"
"Já descobri segredos que meus ídolos não suspeitam existir. O fora para mim é dentro, para você é fora e para eles nem uma coisa nem outra"
"As certeza que me fazem sofrer se desmancham com o suceder involuntário de giros do sol. A dor, porém, fica móvel, catatônica, não aprendeu a soçobrar"
"Dor não é doença, não tem cura. Dor não pode ser tratado com agrotóxicos. Dore é água, às vezes doce, agridoce ou tóxica"
"Sinto coceira quando te vejo. Fico com uma pulga atrás da orelha que fugiu de um circo de repressão paternal. ai como é complexa a pulga"
Dando com a língua nos dentes
Um blog que pensa nossa língua fora dos livros de gramática e dentro dos lugares e pessoas que ela mais gosta de se enfiar.
domingo, 4 de agosto de 2013
domingo, 12 de maio de 2013
Poema de Anestesia
Como engrenagem desregulada, sigo funcionando.
Sou uma utopia de peça bem desenhada, como função e
movimentos precisos.
Como não perceber que as partes não se encaixam?
Como não ouvir o ranger de dentes metálicos?
Anestesia
Como predador ineficiente de uma cadeia alimentar
contraditória, sigo me alimentando.
Sou aquele que dá sentindo ao que digere apenas em poucos
momentos de insights claricianos.
Como não refletir sobre aquilo que entra em mim?
Como não saber o que é jogo no mundo?
Anestesia
Como personagem histórico de um povo formado por apenas um
indivíduo, sigo narrando.
Sou um discurso mal elaborado que ganha sentido apenas quando
é dito diante de espelhos.
Como escolher quando todas as alternativas estão corretas?
Como engolir toda a vaidade, quando é ela que me significa?
Anestesia
O fluxo do tempo carrega corpos inertes que se deixam levar
por impulsos de fibra ótica.
Conectar-se, consumir-se, vomitar-se, reciclar-se,
relatar-se, gabar-se, desprezar-se, descartar-se.
Catarse.
Anestesia.
(Filipe Miranda)
terça-feira, 5 de março de 2013
Sem razão para a poesia
Não quero
querer o amor.
Não
controlo o querer do amor.
O amor
descontrola minhas contrações estomacais.
Meu presente
é descontroladamente assustador.
Não existe
um eu, apenas algo que ama em mim.
Passado inebriado,
viciado e petrificado em ideal.
Não sou um
ser, mas um será inalcançável.
O amor é um
excesso de prazer, de dor e de pensar.
O amor é o nome
pornográfico do exagero.
O
excesso-amor encanta os solitários homens, que saíram da água da placenta para
um liquido chamado infinito.
O útero
protege, a falta de fronteiras projeta. Ela me lança para um mundo que não pode
ser compreendido nunca.
O infinito
é um liquido sólido demais para aguentar e gasoso demais para ser tocado.
O
excesso-amor me devolve à placenta, me faz ficar assustadoramente apaixonado
pelos meus medos e me distrai frente à incompreensão maior.
Ele traz a
ilusão de que irei entender meus medos e irei trapacear com a morte.
Porém, todos
os mecanismos de raciocinar a nada se prestam para defender-me do mistério do
excesso-amor. E, por sua vez, do mistério maior.
Os métodos,
as teorias, as teses, as hipóteses e as verdades são completamente inúteis.
O amor-excesso
nunca chega verdadeiramente, e acaba por se transformar em um monstro.
Solução inútil.
O monstro cresce quando as ideias que
não se deixam encapsular dominam o frio no estômago.
O monstro
aparece em forma de príncipe, demônio, criança, Apolo e Judas. Jamais na figura
de homem.
Preciso
humanizá-lo, ou jamais conseguirei amá-lo como se deve amar um ser humano.
Ou jamais
poderei odiá-lo como se deve odiar um ser humano.
Seria um
monstro criado pelo meu medo do excesso? Pura covardia de encarar que quem se quer
não se pode tocar?
Todos os
músculos querem rejeitar a ilusão. Pobres músculos iludidos.
Eu não
preciso de você para viver, meu amor. Já não tenho como me defender do
infinito.
MIX DO MESMO
A cidade de São Paulo recebeu, entre os dias 8 e 18 de janeiro de 2012, o
vigésimo Festival de Cinema Mix Brasil.
Denominado de Festival de Cultura da
Diversidade, apresentou uma coletânea de longas e curtas metragens que têm
como tema central de suas narrativas a variedade das expressões da sexualidade
humana e do universo cultural que as circunda. Embora o nome do evento tenha
perdido o adjetivo sexual, com
relação à edição anterior, ele continua sendo um espaço que dialoga com o
público interessado em questões de sexualidade e gênero. Além de filmes, foram selecionadas peças de
teatro, shows musicais e exposições que apresentam temática similar. As
apresentações ocorreram em cinemas do circuito comercial, centros culturais e
espaços públicos, como a estação República do Metrô de São Paulo.
Inicialmente, era um festival
assumidamente voltado para o público homossexual. Ao longo dos anos, contudo,
adotou um discurso mais generalista, pois procurava abranger vários títulos da
produção cinematográfica que tratassem não só de orientação sexual, mas que
discutissem sobre os diversos estilos de vida, manifestações políticas e
eventos culturais. A ideia dos organizadores era aumentar o alcance da mostra e
contribuir para a criação de um discurso mais plural, que supere as limitações
que se apresentam ao direcionar o foco apenas para uma das minorias sociais,
como público reduzido e a temática repetitiva.
Segundo André Fischer e João
Federici, curadores do Mix, os filmes
sobre diversidade sexual saíram da obscuridade e alcançaram o grande público.
Assim, a mostra parou de se preocupar apenas com a exibição de “filmes gays” e
passou a privilegiar todo e qualquer filme que desafiasse o status quo. Portanto,
nesta edição, retirou-se o adjetivo “sexual” do evento e procurou-se
estabelecer um diálogo com diversos grupos sociais. Essa diversificação da
temática traria, segundo eles, uma consequente ampliação no perfil do público
que participa do festival. Para atingir tal propósito, um grande enfoque foi
dado, por exemplo, a filmes que tratam das questões presentes na vida dos
jovens, independente da orientação sexual.
Para tanto, foi escolhido o slogan
“A Nova Geração é Mix”. Os curadores acreditam que o público mais jovem,
especialmente nas grandes cidades, está superando rótulos e procura adotar um
discurso que tenha por base a originalidade e o desprendimento de categorias
pré-estabelecidas. Em spots publicitários, apresentados antes da apresentação
dos filmes do evento, era possível acompanhar a história de um menino com duas
mães e, também, o discurso de um senhor que se orgulha do filho homossexual que
se casou com um engenheiro. Durante a mostra, também foi apresentada uma
coletânea de curtas com temáticas para jovens e adolescentes, chamada “Mix
Jovem”, e longas que falavam sobre crises da adolescência, como o argentino “Um
Espaço Entre Nós Dois” e o americano “Mosquita e Mari”. Paralelamente, foi
realizado um concerto de música no Centro Cultural da Juventude, com músicos
que passavam mensagens de tolerância para com a diversidade sexual e as
diferenças de raça, religião e origem social.
O que se observou na prática, contudo, é que Festival Mix Brasil continuou a ser uma coletânea cinematográfica direcionado
majoritariamente por gays, lésbicas, travestis e transexuais e suas questões
relativas à sexualidade. Ele apresenta considerável dificuldade de sair do
gueto. Para comprovarmos tal realidade, basta observarmos as características
dos filmes exibidos.
Os temas projetados nas sessões continuam
a repetir o mesmo modelo de anos anteriores. Podemos dividir os filmes em dois
grandes grupos. De um lado, observamos filmes mais comerciais, com enredos
cômicos, envolvendo transexuais ou homossexuais masculinos que apresentam
situações de seu quotidiano. São filmes com diálogo previsíveis, enquadramentos
facilmente encontrados em blockbusters e com questionamentos recorrentes, como
o dilema de se assumir ou não homossexual. Exemplos de filmes nesta categoria
são: “Bear City 2: Pedido de Casamento”, uma comédia dedicada a valorizar o
estilo de vida do grupo de gays conhecido como Ursos (grupo que adota uma
aparência com mais quilos e mais pelos) e o filme “Tchaka em Transe”, que
apresenta o quotidiano de uma Drag Queen.
Por outro lado, foram projetados
filmes que se aproximam do cinema autoral, menos comerciais. Neles, encontramos
personagens envoltas por conflitos de caráter existencial ou de ordem politica,
que transcendem, em alguns momentos, as questões gênero/sexualidade. Tais
filmes discutem, por exemplo, os movimentos de defesa dos direitos dos
portadores do vírus HIV, no início da década de noventa. Neste segundo grupo, também
podemos observar títulos que trazem discussões mais inovadoras, quando discutem
aspectos da vida religiosa e cultural de alguns países e sua relação com
questões de sexualidade.
Um desses títulos inovadores, que conta
a história de gays em culturas religiosas fundamentalistas, é o holandês ”Sou
Gay e Mulçumano”. O filme discute a relação entre islã e homossexualidade,
procurando refutar preconceitos, como o da impossibilidade de coexistência das
duas identidades. Outro título que destoa do conjunto é o canadense “Tempestade
na Estrada”. O filme surpreende pelo ineditismo do enredo, que apresenta a
história de amor proibido de duas idosas com mais de 70 anos, e pelo modo como
parte de uma discussão a respeito do gênero e da sexualidade para temas mais
universais, como a morte e ausência de sentido da existência.
Realizado geralmente após a Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo, o festival Mix Brasil possui papel
importante na divulgação de curtas metragens brasileiros e na abordagem de
questões da sexualidade, importantes quando pensamos em um país conservador
como o Brasil. Contudo, não conseguiu neste ano atingir seu objetivo de
transpor as barreiras do circuitos de cinema elitizados e segmentários,
frequentados, em grande parte, por um pequena parcela da população.
POR UMA MUDANÇA DE ARES
Fleshdance e a dança através dos pulmões
De que maneira a configuração
econômica e social atual se reflete em nossos corpos? Seria possível subvertermos
essa relação através da dança? A partir desses questionamentos nasce o
espetáculo Fleshdance, produzido pelo núcleo Artérias de dança. Composto por
três jovens dançarinas, o espetáculo convida o público a subir ao palco e a travar
de perto um diálogo sobre consumo, corpos femininos e órgãos internos. As
dançarinas enfrentam essas questões instigando o espectador através de olhares,
suspiros, gestos bruscos e movimentos pouco familiares. Enquanto participa de
uma experiência que descontrói a ideia habitual de corporalidade, o público é atingido
por uma sucessão de imagens em vídeo com mulheres ocidentais, especialmente as
que se enquadram no atual padrão de beleza.
O espetáculo faz parte de um
conjunto de coreografias denominado Trilogia
Líquida, formado pelas apresentações Ruído
5.1, de 2007, e Fronteira Móveis,
de 2008. A trilogia foi inspirada na obra do pensador polonês Zygmunt Bauman,
autor do renomado livro Modernidade
Liquida. A partir do final do século
vinte, Bauman discute quais são os aspectos que caracterizam a modernidade da
época. Ele afirma que, a partir desse período, o capitalismo ganha um dinamismo
sem precedentes. As trocas se intensificam e passamos a possuir liberdade
apenas para consumir. A vida passa a ser regida pelo consumo e é através dele
que nos significamos e que determinamos como será nossa relação com os outros.
Segundo Adriana Cechi, coreógrafa e
diretora do espetáculo, o ato final da trilogia é uma tentativa do grupo de
resistir aos atuais padrões corporais da sociedade de consumo. Especialmente no
que toca o modo feminino de domesticação do corpo, estritamente ligado à
aquisição de bens e serviços em prol de um padrão beleza. Ela relata que
durante uma viagem ao Marrocos encontrou mulheres que usavam a burca. Foi quando
percebeu que as mulheres ocidentais também tinham sua versão da indumentária,
as normas de conduta e beleza. Durante Fleshdance, somos interpelados por
mulheres que querem transgredir aos condicionamentos estabelecidos. Elas caminham de modo deselegante, se
contorcem em movimentos assimétricos e tomam conta do espaço, dando vazão às infinitas
possibilidades do corpo.
Paralelamente ao estudo da obra de
Bauman, o grupo se dedicou a aprofundar seu conhecimento sobre os órgãos e a
maneira como influenciam os movimentos. Com base na pesquisa desenvolvida pelo
Body-mind Centering de Massachutes, nos Estados Unidos (Principalmente o Livro Sensing, Feeling and Action),
desenvolve-se uma coreografia que abre mão da premência dos ossos e dos
músculos para buscar em rins, coração e intestino sensações e impulsos que
possam reverberar pelo corpo.
Estamos diante de uma coreografia
que abre mão de movimentos que se concretizam através de vetores. Não se trata,
portanto, de um corpo que desenha linhas no espaço, mas que se expande em três
dimensões e toma conta do ambiente ao aumentar de volume. As dançarinas
projetam-se e abarcam o que lhe circunda. Elas desenham uma dança hipnótica que
abdica de qualquer precisão pré-concebida e conferem vida e vazão às vontades dos
órgãos, pedindo que dialoguem com o exterior e transmitam o que queiram dizer.
Mais especificamente, Fleshdance (ou
a dança da carne, em uma tradução literal), se releva como um estudo sobre os
pulmões. O espetáculo nos mostra como o respirar pode influenciar a forma como nos
colocamos no mundo. Observa-se um jogo cênico onde espectador e artista entram
em relação. A troca ocorre quando nos damos conta de que o ar que um de nós expele
é o mesmo ar que o outro respira. Visivelmente, se cria uma relação de interação
ao mesmo tempo inusitada e perturbadora e que contrasta com as relações que
habitualmente mantemos com os outros citadinos. Será redundante apontar,
portanto, que a cada apresentação do grupo um novo jogo é estabelecido.
Ao juntarmos essas duas inspirações,
uma mais técnica e outra mais teórica, perceberemos que se trata de um
espetáculo onde os corpos das dançarinas se desprendem de seu uniforme social
de posturas, olhares e respirações socialmente orientado. Revela-se ao
espectador como o homem urbano evita respirações mais profundas, pois deseja
evitar a troca com os milhões de desconhecidos da metrópole. Também se descobre
como nosso corpo se limita a movimentos previsíveis e de fácil codificação, de
forma a maximizar a padronização de posturas e agilizar a troca de mercadorias
e bens.
Fleshdance cria um estado de
inquietação onde o simples respirar se transforma em uma ação complexa e inquietante.
Propõe corpos que possam resistir a um mundo que quer nos transformar em seres
robóticos, homogeneizados e indiferentes aos outros. Transforma o ar que
circunda o palco para que seja respirado pelo publico e possa transformar de
alguma forma a maneira como nos colocamos no mundo do consumo.
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
LUZES NA ESCURIDÃO
Grupo Galpão inova
e subverte com o espetáculo Eclipse
O uso da luz como metáfora para a
razão e para o saber permeia há séculos os discursos produzidos no ocidente.
Contudo, no espetáculo Eclipse, o
Grupo Galpão propõe uma nova associação. Após presenciarem um eclipse solar que
se prolonga por mais tempo do que o esperado, as personagens da trama se vêm em
uma situação de escuridão inesperada. O novo estado se mostra inquietante,
porém, profícuo à reflexão e à produção de afirmações sobre a vida. Dentro da
obscuridade, são reveladas ao espectador nuances profundas e existenciais dos
seres humanos. Contudo, o caminho em direção ao enfrentamento de tais questões não
é perseguido ao acaso, a obra do dramaturgo Anton Tchekhov serve como guia.
Eclipse
é, de fato, uma ode à obra desse conhecido escritor. Tchekhov nasceu em
Taganrog, na Rússia, em 1860. Foi médico, contista e dramaturgo. Em sua curta
vida, viveu apenas 44 anos, deixou uma extensa quantidade de contos célebres,
como A Dama do Cachorrinho, assim
como obras primas do teatro, como A
Gaivota, Tio Vânia e As Três Irmãs.
Sua obra influenciou grandes artistas do século XX, como Virginia Woolf e James
Joyce.
O autor foi uma dos precursores na
utilização da técnica do fluxo de consciência. Suas personagens nos revelam
seus dilemas e angustias interiores. Elas também contam umas para as outras, de
maneira despretensiosa e cheia detalhes, as passagens mais centrais de suas
vidas. Durante a construção dessas micronarrativas, apresentam problemáticas
que saem da esfera individual e se transmutam em questionamentos basilares para
grande parte das pessoas. Tratam, por exemplo, do caos, da felicidade e da fé.
Quase sempre, confrontamo-nos com perguntas que não apresentam respostas, cabe
ao público decidir o que fazer com elas. A falta de respostas aos
questionamentos é proposital, Tchekhov não pretendia doutrinar seus leitores e
espectadores, mas levá-los à reflexão.
O espetáculo, constituindo através
da junção de fragmentos de diversas obras do autor, transmite com primazia
essas características de Tchekhov. Eclipse apresenta uma narrativa construída
de forma caleidoscópica, onde somos apresentados a diversas personagens que,
apesar de estarem em uma mesma condição, possuem questionamentos contraditórios,
que partem de pontos de vista diferentes e produzem uma sinfonia desalinhada.
Em diversas situações, elas não conseguem se comunicar de forma alguma, falam ao
mesmo tempo ou partem para a agressão física. A sucessão de relatos a que somos
expostos se complementam apenas em nível abstrato, tecendo uma reflexão sobre
traços basilares da condição humana. Não saímos do espetáculo com nenhuma
resposta clara ou formula de bem viver, mas com um arsenal de perguntas sobre
nossa própria vida.
O espetáculo, em cartaz no SESC Vila
Mariana até o dia 14/10, foi encenado pela primeira vez no final de 2011. Ele foi
desenvolvido dentro do projeto do Grupo Galpão chamado Viagem a Tchekhov, do qual faz parte, também, Tio Vânia (aos que vierem depois de nós). Enquanto esse último
explora mais elementos do teatro realista, Eclipse
trabalha com uma estética inspirada pelos ditames de uma vanguarda artística
russa do início do século XX chamada Suprematismo. Nesse ponto, o grupo se
distancia do lugar comum, revelando a originalidade e o potencial criativo que
o caracterizam como um dos mais importantes grupos de teatro do país há exatos 30
anos, comemorados em 2012.
O Suprematismo foi iniciado pelo
pintor Kazimir Malevich e propõe o uso de formas geométricas e a busca de
sentimentos puros, os quais não apresentam finalidade prática. Uma das obras desse
pintor que funda o movimento é Quadrado
Negro Sobre Fundo Branco. Para entendermos como ocorre o diálogo estético
do Suprematismo com Eclipse, podemos tomar uma das passagens do espetáculo onde
se realiza um intrigante discurso sobre a importância do talento, outro tema
central na obra de Tchekhov. A discussão é feita com base na análise de um
quadrado negro sobre um fundo branco, que fora supostamente pintado por uma das
personagens. Somos instigados a refletir sobre a validade do fazer artístico em
comparação às atividades que possuem finalidades ditas úteis, como semear o
solo e cuidar de doentes. Ao mesmo tempo, discute-se sobre como podemos avaliar
as escolhas realizadas ao longo da vida. Constrói-se, portanto, uma composição
cênica original, com potenciais estéticos e discursivos efusivos, cheios de
significados e camadas de interpretação.
Esse tipo de abordagem seria
impensável na época das primeiras montagens de Tchekhov realizadas pelo notório
diretor Stanislavski, na Rússia do final do século XIX. Eclipse revela,
portanto, o trabalho constante do Grupo Galpão de buscar de novas linguagens e
de reavivar conteúdos clássicos e temas universais sob a ótica de nosso momento
histórico e social. O espetáculo foi
dirigido pelo russo Jurij Alschitz, que procurou pensar qual seria a estética e
o tipo de encenação que o dramaturgo russo teria utilizado se estivesse
produzindo o espetáculo em nossa época.
Analisada dentro de um mundo onde o excesso de discursos e estímulos
vazios é a condição constante, a peça revela-se como uma oportunidade única
para subvertermos nossas concepções habituais de saber e de darmos asas para a
gaivota de nossos desejos e potencialidades. Ao usarmos a escuridão exterior
como pretexto, somos tocados por um momento de iluminação interior que, embora
contraditório e muitas vezes sem sentido, pode se materializar em um percurso
de vida incrivelmente arrebatador e original.
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
Sonetos
Soneto de formação
Abri os olhos sem esperar por nada, acreditando que não
possuo poder sobre as coisas.
Porém, o caos também possui sua mágica e me presenteou com
um momento.
Estava ali, a realização que eu tanto esperava, colorida e com
sabor de novidade.
Oh! como quero continuar para sempre sendo!
Após piscar os olhos, ele ainda continuava no mesmo lugar, mas levemente diferente.
Tive de mudar de posição para não perder de vista tamanho
gozo.
Minhas manobras obtiveram sucesso, continuava a me lambuzar
no prazer inesperado.
Oh! como eu espero que tudo pare de mudar, enfim!
Um epíteto para o inominável arcano.
Um anelo de esperança fugaz.
Encerro no consciente um espírito temeroso.
Por que não ceder ao lépido?
Ou seja, por que querer mais do que o momento?
Sou narciso que recusa olhar as águas do rio e espera apenas satisfação momentânea.
Soneto deformação
Uma azia expele regurgitos de uma manhã vazia.
Pensamentos rasos advindos da incompreensão da dor de outrem perturbam,
Estou cativo, como serrar os grilhões da gravidade com a
força do pensamento?
Oh! como é triste o fado de quem não sabe não ser.
As tragicomédias dramáticas da polifonia de narrações
lapidam minha poesia
A tentativa de transcender o eu se mostra frustrada,
abismaria doce ignorância.
Brinco de ser alguém apenas por que não sou o outro, quão
estruturada é a analogia?
Oh! como é cabal a existência despropostiada, já nasce alcançada.
Um homem lê um livro de receitas.
Ouve-se um sim ao pé do altar.
Limpam-se remelas que comprovam o sono bom.
Por que não sucumbir ao inequívoco?
Ou seja, por que não o fácil e o óbvio?
Finalizo por figurar como um falso que floreia de forma fugidia a fatalidade frígida do fim.
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