terça-feira, 5 de março de 2013

MIX DO MESMO


            A cidade de São Paulo recebeu, entre os dias 8 e 18 de janeiro de 2012, o vigésimo Festival de Cinema Mix Brasil. Denominado de Festival de Cultura da Diversidade, apresentou uma coletânea de longas e curtas metragens que têm como tema central de suas narrativas a variedade das expressões da sexualidade humana e do universo cultural que as circunda. Embora o nome do evento tenha perdido o adjetivo sexual, com relação à edição anterior, ele continua sendo um espaço que dialoga com o público interessado em questões de sexualidade e gênero.  Além de filmes, foram selecionadas peças de teatro, shows musicais e exposições que apresentam temática similar. As apresentações ocorreram em cinemas do circuito comercial, centros culturais e espaços públicos, como a estação República do Metrô de São Paulo.
            Inicialmente, era um festival assumidamente voltado para o público homossexual. Ao longo dos anos, contudo, adotou um discurso mais generalista, pois procurava abranger vários títulos da produção cinematográfica que tratassem não só de orientação sexual, mas que discutissem sobre os diversos estilos de vida, manifestações políticas e eventos culturais. A ideia dos organizadores era aumentar o alcance da mostra e contribuir para a criação de um discurso mais plural, que supere as limitações que se apresentam ao direcionar o foco apenas para uma das minorias sociais, como público reduzido e a temática repetitiva.
            Segundo André Fischer e João Federici, curadores do Mix, os filmes sobre diversidade sexual saíram da obscuridade e alcançaram o grande público. Assim, a mostra parou de se preocupar apenas com a exibição de “filmes gays” e passou a privilegiar todo e qualquer filme que desafiasse o status quo. Portanto, nesta edição, retirou-se o adjetivo “sexual” do evento e procurou-se estabelecer um diálogo com diversos grupos sociais. Essa diversificação da temática traria, segundo eles, uma consequente ampliação no perfil do público que participa do festival. Para atingir tal propósito, um grande enfoque foi dado, por exemplo, a filmes que tratam das questões presentes na vida dos jovens, independente da orientação sexual.
            Para tanto, foi escolhido o slogan “A Nova Geração é Mix”. Os curadores acreditam que o público mais jovem, especialmente nas grandes cidades, está superando rótulos e procura adotar um discurso que tenha por base a originalidade e o desprendimento de categorias pré-estabelecidas. Em spots publicitários, apresentados antes da apresentação dos filmes do evento, era possível acompanhar a história de um menino com duas mães e, também, o discurso de um senhor que se orgulha do filho homossexual que se casou com um engenheiro. Durante a mostra, também foi apresentada uma coletânea de curtas com temáticas para jovens e adolescentes, chamada “Mix Jovem”, e longas que falavam sobre crises da adolescência, como o argentino “Um Espaço Entre Nós Dois” e o americano “Mosquita e Mari”. Paralelamente, foi realizado um concerto de música no Centro Cultural da Juventude, com músicos que passavam mensagens de tolerância para com a diversidade sexual e as diferenças de raça, religião e origem social.
              O que se observou na prática, contudo, é que Festival Mix Brasil continuou a ser uma coletânea cinematográfica direcionado majoritariamente por gays, lésbicas, travestis e transexuais e suas questões relativas à sexualidade. Ele apresenta considerável dificuldade de sair do gueto. Para comprovarmos tal realidade, basta observarmos as características dos filmes exibidos.
            Os temas projetados nas sessões continuam a repetir o mesmo modelo de anos anteriores. Podemos dividir os filmes em dois grandes grupos. De um lado, observamos filmes mais comerciais, com enredos cômicos, envolvendo transexuais ou homossexuais masculinos que apresentam situações de seu quotidiano. São filmes com diálogo previsíveis, enquadramentos facilmente encontrados em blockbusters e com questionamentos recorrentes, como o dilema de se assumir ou não homossexual. Exemplos de filmes nesta categoria são: “Bear City 2: Pedido de Casamento”, uma comédia dedicada a valorizar o estilo de vida do grupo de gays conhecido como Ursos (grupo que adota uma aparência com mais quilos e mais pelos) e o filme “Tchaka em Transe”, que apresenta o quotidiano de uma Drag Queen.  
            Por outro lado, foram projetados filmes que se aproximam do cinema autoral, menos comerciais. Neles, encontramos personagens envoltas por conflitos de caráter existencial ou de ordem politica, que transcendem, em alguns momentos, as questões gênero/sexualidade. Tais filmes discutem, por exemplo, os movimentos de defesa dos direitos dos portadores do vírus HIV, no início da década de noventa. Neste segundo grupo, também podemos observar títulos que trazem discussões mais inovadoras, quando discutem aspectos da vida religiosa e cultural de alguns países e sua relação com questões de sexualidade.
            Um desses títulos inovadores, que conta a história de gays em culturas religiosas fundamentalistas, é o holandês ”Sou Gay e Mulçumano”. O filme discute a relação entre islã e homossexualidade, procurando refutar preconceitos, como o da impossibilidade de coexistência das duas identidades. Outro título que destoa do conjunto é o canadense “Tempestade na Estrada”. O filme surpreende pelo ineditismo do enredo, que apresenta a história de amor proibido de duas idosas com mais de 70 anos, e pelo modo como parte de uma discussão a respeito do gênero e da sexualidade para temas mais universais, como a morte e ausência de sentido da existência. 
            Realizado geralmente após a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o festival Mix Brasil possui papel importante na divulgação de curtas metragens brasileiros e na abordagem de questões da sexualidade, importantes quando pensamos em um país conservador como o Brasil. Contudo, não conseguiu neste ano atingir seu objetivo de transpor as barreiras do circuitos de cinema elitizados e segmentários, frequentados, em grande parte, por um pequena parcela da população. 

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