sexta-feira, 15 de julho de 2011

O prazer das escolhas erradas

Falar é fazer escolhas e fazer escolhas não é fácil. Quando falamos, escolhemos o tom, a entonação, o vocabulário e a pessoa que irá ouvir nossos lamentos e indignações. A grande maioria dessas escolhas é automática. Em outros campos da vida também adotamos o mesmo procedimento, fazemos o mesmo caminho para o trabalho sem pensar, realizamos as tarefas matinais sempre na mesma ordem e nem nos lembramos de como foi que fomos parar no ônibus apertado. Contudo, em alguns momentos, precisamos fazer escolhas mais conscientes e realizamos escolhas ditas erradas. Ao falar, escolhemos muitas vezes de forma apressada. Esquecemos do plural, do acordo do gênero, falamos da nossa “sombrancelha” e dizemos que a bola estava “mucha”. No resto da vida não é diferente, uma atitude impensada pode ser interpretada como um erro ou uma falha para com aquilo que deveria ter sido a escolha correta. Na evolução da literatura fomos ressignificando esses erros e equívocos gramaticais e os transformando em poesia. A poesia virou sinônimo de liberdade e de possibilidade de criar coisas novas e interessantes. O desvio da norma lingüística significou o ápice criativo da própria língua. Talvez devêssemos começar a fazer o mesmo com todo o resto da vida e começarmos a ressignificar as escolhas que julgamos aparentemente erradas. Quem sabe possamos transformar nosso dia-a-dia em uma experiência onde não existam erros ou acertos, mas possibilidades infinitas de aprendizado e crescimento. Assim como nossa gramática não foi escolhida por nós, o modelo de felicidade mais difundido também não. Quem sabe não sejam os nossos erros que simbolizem o ápice de nossa existência?

Confissão


De um e outro lado do que sou,
da luz e da obscuridade,
do ouro e do pó,
ouço pedirem-me que escolha;
e deixe para trás a inquietação,
a dor,
um peso de não sei que ansiedade.

Mas levo comigo tudo
o que recuso. Sinto
colar-se-me às costas
um resto de noite;
e não sei voltar-me
para a frente, onde
amanhece.

Nuno Júdice (poeta português)

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